ENTREVISTA: HÉLIO SANTOS
“O Brasil do futuro depende do destino da família negra”



Salvador 8/8/06 – O professor Hélio Santos, militante histórico do Movimento Negro afirma que o maior obstáculo para a liderança negra é manter-se comprometida. “Muitos se comprazem na posição do “já cheguei”, conclui. Leia abaixo a entrevista feita para a Afropress por Luciane Reis, do Instituto de Mídia Étnica, de Salvador.

Falar do Professor Hélio Santos é algo especial. Um homem calmo, tranqüilo e extremamente indignado com a realidade da comunidade negra sobre todos os aspectos. Um dos momentos em que o professor Hélio fala com força ou energicamente, é nas aulas que ele juntamente com outros inteectuais negros ministra no Projeto Portas e Mentes Abertas (Pompa). Projeto do Instituto Cultural Steve Biko, que visa o desenvolvimento acadêmico e profissional de jovens afro-descendentes com potencial para o exercício de liderança, garantindo a conexões com princípios ancestrais, preparando-os para o ingresso em carreiras no setor público, no terceiro setor e empresarial Brasileiro. O Projeto se propõe a formar novos quadros representativos da diversidade racial brasileira, que venham a se tornar defensores de direitos, influenciadores de políticas públicas e realizadores de ações da sociedade civil que venha contribuir para o desenvolvimento da população negra. Foi concebido em 2003, de forma colaborativa, por representantes do Instituto Cultural Steve Biko e Lorelei Williams, então bolsista do Programa Fulbright. A primeira etapa do Projeto contou com a participação de 21 estudantes e apresentou índice nulo de evasão. Em 2006 tiveram início as atividades do POMPA 2ª Edição, cuja turma é formada por 21 jovens afro-descendentes universitários, graduandos de diversas áreas tais 
como: administração, direito, psicologia, comunicação social e engenharia química.

O Pompa conta com a participação do professor Hélio Santos em ambas edições, onde ao final das atividades, os jovens tem a certeza de que saem mais fortes e cheios de energia para buscar “um caminho para o Brasil”, título do livro de professor. Suas reflexões convidam cada jovem negra ou negro e convidados a pensar em “um caminho para o Brasil” levando como foco principal a discussão da realidade da família negra e sua formação na atual conjuntura enquanto projeto político, a fim de minimizar ou até mesmo extinguir os grilhões das desigualdades presentes no século 21.


IME/AfropressPercebemos o quanto o país tem erros de diagnósticos quando se trata do povo negro. Um exemplo é o documentário de MV Bill (Falcão, meninos do tráfico) e os políticos envolvidos com o mensalão. Percebemos com clareza a presença de dois Brasis. O que Hélio Santos pensa sobre isso?

Hélio Santos – O drama trazido pelo documentário de MV Bill é produto do mensalão e congêneres. O chamado crime do colarinho branco tem 4 características básicas: 1. envolve grandes importâncias; 2. causa prejuízo ao Estado – ou seja, é pago por todos; 3. raramente resulta em punição e 4. é cometido por membros da elite. Assim, percebe-se que não é só o colarinho que é branco, mas o dono do pescoço também…Raramente se associa o saque sistemático contra o Estado junto com a impunidade aos três séculos e meio de escravidão, onde alguns podiam tudo contra quase todos. Todavia, a matriz desse esgoto social a céu aberto está lá no escravismo colonial que mais tempo durou no mundo.


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Por que o senhor acredita que discutir a família negra é o ponto central para o desenvolvimento do Brasil?

Hélio Santos – Tenho dito que o negro, longe de ser um problema, é parte importante da solução. O que consolida a democracia brasileira e dá sustentabilidade ao desenvolvimento aqui é a inclusão qualificada do povo negro. O Brasil do futuro depende do destino da família negra.

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Geralmente quando se fala em políticas públicas na aréa de educação para a comunidade negra se pensa somente no jovem da universidade pública. Como pode ser avaliado os talentos negros nas universidades privadas?

Hélio Santos – Todos sabem dessa sina: como o negro freqüenta a escola pública, sucateada e sem qualidade, apresenta dificuldades para ir para a universidade pública, mais competitiva e reservada às elites. Sendo assim, acaba indo para a universidade privada, nem sempre dotada de qualidade. Como a maioria negra universitária está nessa escola, tenho proposto que o estado brasileiro desenvolva um efetivo e eficaz sistema de financiamento aos nossos estudantes. Ou seja, a adoção de uma política de ação afirmativa nessa direção.

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Diante do racismo presente no Brasil e das dificuldades para um negro ascender no poder, na política ou em qualquer outra esfera de comando. Qual o maior obstáculo de uma “ liderança negra” para chegar e permanecer nos espaços em que ele não é maioria?

Hélio Santos – Por incrível que possa parecer à primeira vista, o maior problema é essa liderança continuar a ser efetivamente voltada para os interesses da população negra – o que muitas vezes não acontece. Muitas são as armadilhas e muitos, gostosamente, se comprazem na posição do “já cheguei”; na verdade uma rendição. Na academia, por exemplo, há intelectuais negros. Todavia, nem todos são negros intelectuais. Isto é, nem todos têm como foco pensar e deslindar a centopéia de duas cabeças que vem a ser a questão negra no Brasil – complexa, dissimulada e inercial.

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Em seu livro “ A busca de um caminho para o Brasil “, o senhor fala sobre a importância da juventude negra e de se ter uma identidade, como o senhor ver os jovens do projeto Pompa?

Hélio Santos – O projeto Pompa trafega na contra-mão do Brasil: enquanto o país tenta ser uma Europa que jamais será e ao mesmo tempo desperdiça talentos (especialmente, os negros) por racismo e miopia, os integrantes do Pompa buscam o seu espaço tendo como referência a sua identidade.

IME/AfropressDurante suas aulas no Pompa o senhor disse que o ” Brasil desperdiça talentos” – diante disso como os jovens que participam do Pompa podem se preparar para cumprir um papel diferente dentro do país?

Hélio Santos – Esse desafio vem sendo vencido pelo Movimento Social Negro, o movimento social mais antigo do país. As ações afirmativas nas universidades públicas – aqui no Brasil apelidadas de cotas para negros – são um bom exemplo. A despeito do fiasco da copa do mundo, é inegável, o futebol praticado pelos brasileiros é de excelência. Esse setor, juntamente com o musical, são aqueles reconhecidos mundialmente como de alto padrão. Precisamente nos dois setores em que o negro não foi impedido de atuar. Será que se pode dizer o mesmo do setor político, do mundo intelectual, dos meios de comunicação social, da economia – setores dos quais o negro foi excluído?


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O Pompa é “um caminho para o Brasil” no olhar de Hélio Santos?

Hélio Santos – A única novidade no opaco horizonte político brasileiro são as ações afirmativas para a população negra. O resto é coisa requentada dos últimos 30 anos: controle da inflação, desenvolvimento míope, corrupção, remessa de grana para longe dos investimentos produtivos, aparteísmo e anestesia moral. O Pompa é uma síntese bem acabada do que pode mudar esse quadro.

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Professor, em uma de suas falas no Pompa o senhor diz que os facilitadores que vem ao projeto “Não devem trazer o convencional” e que “o Pompa deve formar lideranças antenadas e conectadas”. Qual a sua visão sobre o projeto? E o que o senhor quer dizer com isto?

Hélio Santos – Não temos saída fora da ousadia. Ninguém é bobo para confundir ousadia com irresponsabilidade. Ousar é trazer o que ainda não foi feito. É engendrar novas possibilidades. É incrível como o ser humano busca toda a parafernália da tecnologia, mas tem medo de inovar no que há de mais banal em seu comportamento. Como a cidadania negra é uma grande “novidade” no Brasil; vamos maximizar essa realização: tolerância zero para a exclusão racial.

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O que o senhor acredita que os jovens formados pelo Pompa devem ser?

Hélio Santos – O que alguns, para a minha máxima alegria, já vêm sendo. Apontam caminhos e estão prontos para romper o dique (melhor seria dizer super-dique) da exclusão. As meninas e os meninos do Pompa devem se sentir cada vez mais portadores da luminosidade de Zumbi: morte definitiva das iniqüidades – todas elas.

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Como o senhor avalia o paradoxo de um jovem branco que pensa em melhorar de vida fora do Brasil e um jovem negro pensar que melhorar de vida tem que ser no Brasil?

Hélio Santos – Ninguém é mais brasileiro do que o negro. A rigor, não existe paradoxo. Faz sentido algumas pessoas terem a cabeça longe do Brasil. Os descendentes de espanhóis e italianos, por exemplo, podem obter uma cidadania européia – legalmente. Tal caminho não vale para o negro-descendente. Estamos aqui na terra-brasilis com ânimo definitivo.


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Qual o papel do Pompa em toda essa trajetória?

Hélio Santos– Destaco um papel que vem antes de todos: ousar – sempre

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O que ainda o faz acreditar na sua luta quanto ativista negro?

Hélio Santos – A existência de projetos como o Pompa.

De |agosto 8th, 2006|Notícia|Comentários desativados em ENTREVISTA: HÉLIO SANTOS
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