Comunidade de Tia Eva é reconhecida como comunidade quilombola





Comunidade fundada em 1910 por Eva Maria de Jesus, a Tia Eva, recebe certificado da Fundação Cultural Palmares.


 


No último sábado, 26 de abril, a comunidade negra da Igrejinha de São Benedito, localizada no município de Campo Grande/Mato Grosso do Sul – esteve em festa com a entrega da certidão de autodefinição como comunidade remanescente de quilombo, publicada pela Fundação Cultural Palmares. Segundo Antônio Borges dos Santos, descendente de Tia Eva e presidente do conselho Estadual dos Direitos dos negros, “depois do reconhecimento da comunidade pela Fundação Palmares nós já sentimos a mudança. Tanto os jovens e idosos, que compareceram em peso no evento, estão unidos e felizes”.


 


Além de ser uma ótima oportunidade para reivindicar melhorias e recursos públicos para a comunidade, o reconhecimento da FCP, também servirá para “resgatar a história e cultura da nossa terra e da nossa descendência. Demos um passo cultural enorme. Iremos agora, resgatar nossas tradições e valores. A autodefinição como Comunidade Remanescente de Quilombos é garantia de um território onde podemos permanecer com os nossos costumes e nossa descendência de filhos e netos. Enfim, todas as gerações de Eva Maria de Jesus (Tia Eva)”, conclui Antônio Borges.


 


Ao todo, já foram certificadas pela FCP 16 comunidades em todo o estado de Mato Grosso do Sul.


Calcula-se que existem dois mil descendentes de Tia Eva espalhados pelas comunidades negras de todo o Estado sul-mato-grossense.


 


História da comunidade


 


A história da comunidade se confunde com a própria história de Tia Eva. Escrava nascida em Mineiros, Goiás, Eva Maria de Jesus sempre sonhou um dia poder criar suas filhas com a melhor educação do mundo. Casada por duas vezes, Eva Maria teve três filhas: Joana, Lazara e Sebastiana. Em 1887, aos 49 anos, Eva obteve sua carta de alforria, momento no qual realizaria seu segundo sonho: ir para o Mato Grosso (atualmente, Mato Grosso do Sul) e construir um lugar para seus descendentes. Saiu de Goiás em 1905, chegando em Campos de Vacaria, hoje, Campo Grande, onde trabalhou como lavadeira, parteira, cozinheira, curandeira e benzedeira. Vida nada fácil. Era uma espécie de médica da época. Mais impressionante ainda era que sabia ler e escrever, pra quem havia sido escrava isso era um dom. Procurada por inúmeras pessoas, tornou-se referência na comunidade, o que lhe rendeu alguns benefícios financeiros. Até que em 1910 adquiriu uma terra de oito hectares que lhe custou 85 mil réis, onde atualmente, residem mais de 60 famílias descendentes.


 


Não há fotos de Tia Eva. O busto, por exemplo, foi baseado em uma filha. Tudo foi baseado em depoimentos familiares.


 


São Benedito


 


O outro nome da comunidade, São Benedito, deve-se também à Tia Eva e sua fé. Devota do santo, ela fez uma promessa ao padroeiro para que curasse uma ferida que havia há anos em sua perna e que nunca curava. E foi realizada. Ao chegar em Mato Grosso, milagrosamente foi curada.



Para pagar a dádiva ao santo milagreiro, construiu em 1912 uma igreja de pau-a-pique (em 1919, a igreja foi demolida e reerguida em alvenaria), que a partir de então, leva o nome de Igreja de São Benedito. Tia Eva está enterrada dentro desta pequena igreja, a mais antiga da cidade.


 


Antes de seu falecimento, dia 11 de novembro de 1926, aos 88 anos, Tia Eva fez seu último pedido: que a família nunca deixasse de fazer a festa de São Benedito todos os anos, no mês de maio. A festa em louvor ao santo, realizada desde 1912, dura nove dias e é o maior orgulho da comunidade.


 


Antigamente, a festa era feita embaixo das mangueiras. Para celebrar as missas os padres chegavam de charretes e cavalos. Ninguém perdia o evento. Hoje em dia também não. A comunidade já conta com clube social, linha de ônibus, ruas asfaltadas, escolas de 1º e 2º graus, creche, linhas telefônicas, além da Associação Beneficente dos Descendentes de Tia Eva.


 


Tia Eva é santa


 


De acordo com Sérgio Antônio da Silva, o Seu Michel, bisneto da Tia Eva, todos a admiravam causa da inteligência dela, já que se tratava de uma pessoa escrava. “Ela fazia o trabalho do sacerdote, tudo era ela. Mamãe falava que quando Tia Eva faleceu em 1926 a cidade toda parou e pessoas de destaque a reverenciaram”, explica. “A gente nunca diz isso que ela era uma santa, mas tem muitas histórias. Teve uma senhora que estava com um problema de espinha e que se curou. Ela comprou uma creche e colocou o nome da Tia Eva”, conta.


 


Sérgio relata ainda a história de uma senhora que, por conta da entrega de um troféu em um evento esportivo que acontecia na comunidade, em 1998. “Chegou uma dona, me pegou pelo braço e falou: – Tem uma pessoa muda em minha família. O menino começou a falar aqui”.


 

Há ainda muitas outras histórias, como por exemplo, de um pastor que chegou a conhecer Tia Eva. Ele dizia tê-la visto benzer e curar as pessoas: “A Tia Eva era milagreira. Minha mãe conta que cada oração que ela fazia realmente dava certo. Ninguém sabe a causa da morte dela. Foi uma doença desconhecida. Ela sabia que iria morrer. Minha mãe contava que ela dizia isso”.
 

 

De |abril 30th, 2008|Notícia|Comentários desativados em Comunidade de Tia Eva é reconhecida como comunidade quilombola