ADI 3239/04: Pedido de vista adia decisão sobre titulação de terras quilombolas no STF
Foi adiado por tempo indeterminado o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3239/04, que questiona a legalidade do Decreto Federal 4887/03, base para a atuação do Estado sobre a titulação dos territórios quilombolas. Retomado nesta quarta-feira (25) pelo Supremo Tribunal Federal (STF),praticamente três anos após a última audiência, o julgamento terá continuidade após apreciação pelo ministro Dias Toffoli, que pediu vista do processo.
A audiência foi marcada pelo voto da ministra Rosa Weber, que se mostrou contrária ao posicionamento do relator Cesar Peluso, defendendo a constitucionalidade do Decreto 4887/04. Em sua defesa, ela ressaltou que a partir do momento em que é reconhecido por lei um direito fundamental, a inviabilização do seu exercício, por ação ou omissão, se reveste do risco da inconstitucionalidade.
De acordo com a ministra, a declaração de inconstitucionalidade deve traduzir uma aplicação jurisdicional da Constituição. “Em outras palavras, eventual declaração de inconstitucionalidade somente se legitima se não falha ao ser descrita ela mesma como aplicação efetiva da Constituição”, justificou.
Segundo o presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP/MinC), Hilton Cobra, o pedido de vista por Dias Toffoli após o posicionamento da ministra Rosa Weber não representa um risco. “A cada momento me convenço mais da sensibilidade do Supremo em relação à importância do Decreto e à grandeza por traz dos territórios quilombolas”, celebrou.
Para Alexandro Reis, diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da FCP, o voto da ministra equilibra o entendimento das condições e dos direitos fundamentais dos quilombolas já consagrados pela Constituição e que estavam violentamente ameaçados por conta do entendimento do relator César Peluso. “A argumentação de Rosa Weber fortalece institucionalmente a efetivação dos direitos quilombolas na medida em que reconhece como legítimo, adequado e moderno o critério de reconhecimento, autodefinição e titulação dos territórios dessas comunidades”, explicou o diretor.
Resistência – Presente à audiência, o presidente da coordenação Nacional da Comunidades Quilombolas (Conaq), Denildo Rodrigues, avalia que o voto da ministra Rosa Weber, em favor da constitucionalidade do Decreto 4887/04, significa uma análise séria sobre o que representou o Brasil. “A cada passo em favor da constitucionalidade nos afirmamos em nossa identidade”, desabafou.
Em acordo com Rodrigues, a liderança do Quilombo Mesquita, do Estado de Goiás, Sandra Pereira Braga, enfatizou o fortalecimento dos povos tradicionais a partir do direito a terra. “A ministra provou da melhor maneira que tanto os direitos quanto as leis ainda existem. É o seu voto que representa toda a resistência desde a ancestralidade negra ao que somos hoje”, disse. “A proteção da população quilombola é tão relevante que em sua fala, ela destacou a necessidade de reparo sobre a própria história do Brasil, sobre a cultura,sobre os valores e saberes tradicionais”, completou.
Ativismo –Militante em favor da população negra, o presidente da ONG Educafro, Frei David Santos, defende que a luta quilombola é uma luta do Brasil e não apenas desse segmento da população. Ele reforçou a necessidade de mais participação social para as decisões importantes do país. “Trabalhamos intensamente para que os demais votos sejam em favor dessa causa nobre que é o direito à vida e à dignidade dos nossos quilombolas”.
Graduando em Educação do Campo pela Universidade de Brasília (UnB), Romes dos Santos Rosa, 28 anos, do Quilombo Kalunga, de Goiás, afirmou que pela primeira vez se sentiu visto como pessoa num processo jurídico. “Desde o início, fomos tratados como ocupadores de terras. Como uma mãe, a ministra nos defendeu enquanto humanos dignos de direitos e da participação em uma sociedade igualitária”, disse.
Histórico – A ação foi ajuizada em 2004 pelo Partido da Frente Liberal, atualmente Partido Democratas. O julgamento foi retomado nesta quarta-feira (25) com o voto da ministra Rosa Weber depois de pedido de vista em 2012. Na ação, o partido alega que o Decreto 4887/04 invade esfera reservada à lei e disciplina indevidamente procedimentos como o que determina a desapropriação de áreas em domínio particular para transferi-las às comunidades quilombolas.
A ADI 3239 sustenta, ainda, a inconstitucionalidade do critério de autoatribuição para a identificação dos remanescentes dos quilombos e para a definição das terras a serem reconhecidas a essas comunidades.