O Brasil não seria o mesmo sem Dorival Caymmi
Responsável pela modernização da música popular brasileira, compositor de canções perfeitas, criador de obras-primas ou o gênio da raça, como João Gilberto o descreveu, certa vez, a Caetano Veloso. Essas são algumas das classificações que buscavam de alguma forma delinear e se aproximar da figura de Dorival Caymmi, compositor e cantor que inscreveu seu nome na música brasileira exaltando a Bahia e relatando, tal qual um cronista, os hábitos, costumes, traços, anseios e gracejos do povo de lá.
Suas canções, que falavam tanto do mar, por qual era apaixonado, dos pescadores, homens a quem admirava dado sua valentia, e dos ritos e entidades do candomblé, do qual era devoto, parecem tão familiares e íntimas da maior parte dos brasileiros que são facilmente confundidas com o repertório popular de domínio público; soam quase como expressões do nosso folclore.
Dorival Caymmi nasceu em 30 de abril de 1914, na cidade de Salvador. Filho de Durval Caymmi e Aurelina Cândida Soares Caymmi, tinha 3 irmãos: Delmaro, Dinah e Dinahir. Seu lar era repleto de música. O pai tocava violão, bandolim e piano, sua mãe, durante os saraus organizados em sua casa, cantava.
Ainda criança, começou a dedilhar o violão do pai às escondidas, contudo, rapidamente foi descoberto por Seu Durval, que observou seu filho, lhe ensinou os acordes e tentou consertar o que o filho fazia de errado. Contudo, a sensibilidade de Dorival o fez insistir em alguns “erros” que findaram por tornar sua forma de tocar tão peculiar, conferindo-lhe um estilo próprio. Era também o baixo-cantante do coro de igreja.
Começou a trabalhar muito cedo e para isso largou os estudos aos treze anos. Inicialmente, empregou-se no escritório do jornal O Imparcial, da capital baiana, onde fazia diferentes serviços, desde a distribuição dos jornais até a revisão de textos. Na mesma época, começou a fazer as primeiras pinturas, desenhando tabuletas para lojas comerciais. Com o fechamento do jornal, em 1929, teve que se dedicar a outros serviços: foi vendedor de cordões para embrulho, de bebidas nacionais, caixeiro-viajante.
No ano seguinte, compõe a toada No sertão, sua primeira canção e passa a frequentar Itapuã na companhia do amigo Zezinho. É em Itapuã que Dorival passa a contemplar e a conviver com os pescadores.
A partir de 1934, passa a participar de algumas programações da Rádio Clube da Bahia e forma o conjunto Três e meio, que contava ainda com Deraldo (surdo) e os irmãos Zezinho (bandolim) e Luiz (pandeiro). Foi com esse grupo que recebeu o primeiro cachê após uma apresentação na Rádio Sociedade de Salvador.
Em 1937, compõe em Itapuã sua primeira música da série de canções praieiras, O Mar, que se tornaria um grande sucesso: “O mar quando quebra na praia, é bonito… é bonito…”. Embora comandasse desde 1935 um programa na Rádio Clube da Bahia, sob a direção de Gilberto Martins, chamado Caymmi e suas canções praieiras.
No ano seguinte, parte a bordo do navio Itapé, ou simplesmente Ita, para o Rio de Janeiro, decidido a buscar trabalho no jornalismo, estudar para o curso de Direito e dedicar-se mais ao desenho e à pintura.
Conseguiu, através de um parente, publicar alguns desenhos na revista O Cruzeiro, bem como realizar pequenos trabalhos na imprensa local, precisamente n’O Jornal, do grupo Diários Associados. Conheceu, nessa época, Carlos Lacerda e Samuel Wainer. Todavia, nunca parou de compor e cantar.
Assim, ainda em 1938, foi contratado pela Rádio Tupi e passou a integrar a elite artística da, então, capital federal. No ano seguinte, compôs O que é que a baiana tem?, gravada em seguida por Carmem Miranda, que o conheceu graças ao sambista Almirante.
Incluída na trilha sonora do filme Banana da Terra, a música possibilitou a conquista de uma carreira no exterior à estrela da Era de Ouro do rádio e conferiu também projeção internacional a Dorival Caymmi e suas composições. Conta-se que a famosa interpretação da Pequena Notável, marcada pela gesticulação hipnótica de mãos e braços, foi uma sugestão de Dorival.
1939 foi um ano fundamental na carreira e na vida de Caymmi. Além de alcançar o sucesso com O que é que a baiana tem?, foi nesse ano que fez as primeiras gravações solo de suas próprias composições (Rainha do mar, Promessa de pescador e Roda de pião); conheceu Jorge Amado, escritor conterrâneo que se tornou um de seus grandes amigos, que não eram poucos, tendo com ele inclusive composto algumas músicas; e também a cantoraAdelaide Tostes, num programa de calouros da Rádio Nacional, que adotara o nome artístico Stella Maris e veio a se tornar sua esposa, companheira por mais de seis décadas.
A década de 1940 foi especial na vida de Dorival Caymmi, pois foi quando casou com Stella Maris e nasceram seus 3 filhos (Nana, Dori e Danilo), que também se tornariam grandes nomes da música brasileira. Este período também testemunhou a ascensão de seu nome e o sucesso de sua carreira: participou de filmes; realizou sua primeira excursão pelo Brasil, se apresentando em Fortaleza, Recife, Maceió e Salvador; fundou junto com Ary Barroso, Mário Lago, Braguinha e Lamartine Babo a União Brasileira de Compositores (UBC); apresentou-se no Golden Room do Copacabana Palace com Silvio Caldas, Nelson Gonçalves e Carmem Costa; compôs e gravou canções que se tornariam clássicos de nossa música popular (como Marina, Vatapá, A jangada voltou só e O samba da minha terra); e reuniu suas canções no livro O Cancioneiro da Bahia, com prefácio de Jorge Amado.
As três décadas seguintes o consagraram como um dos maiores compositores da história do país e consolidaram sua carreira. A partir de 1954, passou a gravar suas músicas e lançar álbuns, todos eles recheados de grandes canções, que conheceram o sucesso e o reconhecimento do público e da crítica. Entre os clássicos, encontram-se Só louco, Maracangalha, Canção da partida, Adeus da esposa, Temporal, Cantiga de noiva, Velório Val, Na manhã seguinte, Promessa de pescador, Dois de Fevereiro, O vento, Saudades de Itapoã, Noite de temporal, Festa de rua e O mar.
Em 1956, foi escolhido em votação que reuniu redatores e repórteres de uma revista especializada, como o melhor compositor do ano. Em 1957, gravou Saudades da Bahia, música que bateu recordes de vendagem. No mesmo ano, viajou para a Europa, em missão do governo brasileiro, percorrendo Espanha, França, Itália e Portugal. Vale ainda destacar o álbum gravado junto com Ary Barroso (1958), em que um interpretava a música do outro.
No ano de 1965, excursionou pelos Estados Unidos, na companhia de Ray Gilbert, autor da versão em inglês feita para sua música Das rosas.
A década de 1970, inicia com o lançamento do aclamado Caymmi (1972), que trazia Oração da Mãe Menininha, em referência à ialorixá Menininha do Gantois, de quem era filho de santo. Além disso, incluía também Eu cheguei lá e Vou ver Juliana, compostas para um projeto de filmagem do romance Capitães de areia, de Jorge Amado. Em 1973, grava outro álbum, Caymmi também é do rancho, composto por músicas como Acalanto, Marina e Canoeiro. Em 1975, compôs Modinha para Gabriela, para a trilha sonora da novela “Gabriela” (TV Globo), baseada no romance Gabriela cravo e canela, de Jorge Amado.
O sucesso de Dorival Caymmi passou não só a desafiar o tempo, mas também a não reconhecer fronteiras. Em 1980, o compositor participou de uma excursão, juntamente com outros artistas brasileiros, para Angola. De lá seguiu para Martinica (França – Caribe). Três anos depois, se apresentava em Roma com o espetáculo Bahia de todos os santos. Também em 1983 recebeu o Prêmio Shell da MPB, durante show realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
Ao lado dos três filhos, Nana, Dori e Danilo, já músicos consagrados e que desde da década de 1970 vinha participando de seus shows ou realizando espetáculos em família, Dorival Caymmi apresentou-se, em 1991, no Festival de Montreux, o que foi registrado no disco Família Caymmi em Montreux.
Em 1993, o compositor e antropólogo Antônio Risério lançou pela Editora Perspectiva o livro Caymmi, uma utopia de lugar, em que analisa a obra do mestre em forma de ensaio. Oito anos depois foi a vez de sua neta Stella Caymmi, sua neta, filha de Nana, a publicar a biografia Dorival Caymmi – o mar e o tempo (Editora 34). Ainda em 2001, quando já figurava como um mito da música popular brasileira e esbanjando jovialidade em seus quase 90 anos, voltou às paradas de sucesso compondo para a televisão.
Em 2008, após nove anos de luta contra um câncer renal, o mestre Dorival Caymmi faleceu, aos 94 anos.
Em 60 anos de carreira, Dorival Caymmi gravou cerca de 20 discos, mas o número de versões de suas músicas feitas por outros intérpretes é praticamente incalculável. Sua obra, considerada pequena em quantidade, compensa essa falsa impressão com inigualável número de obras-primas.
Influência
Dorival Caymmi, por toda a inovação em termos de letra e rítmica, influenciou uma imensa leva de artistas, sendo referência para movimentos como a Bossa Nova, de João Gilberto, Antônio Carlos Jobim, Vinicius de Moraes, Baden Powell e a turma de músicos e cantores que os seguiram, e o Tropicalismo, de Caetano, Gilberto Gil, Tom Zé e Gal Costa. Além de grupos como Os novos baianos.
A reverência desses artistas o fizeram se aproximar de Dorival e com ele realizar parcerias musicais. Em 1964, gravou com Tom Jobim o álbum Caymmi visita Tom, que contou com as participações especiais da mulher Stella Maris e da filha Nana. E com Vinicius de Moraes, Quarteto em Cy e Conjunto Oscar Castro Neves gravou No zum zum.
Gal Costa, por sua vez, gravou o LP Gal canta Caymmi (1972), no qual interpretou dez músicas do compositor, entre as quais Festa de rua, Vatapá, Nem eu e Só louco.
Quanto aos filhos não é preciso nem falar de sua influência. Os três se tornaram músicos, compositores e cantores renomados nacionalmente, gravando por vezes composições do pai, realizando inúmeras vezes shows em família e atuando como verdadeiros curadores da obra de Dorival.
Em 2012, surgiu no cenário musical uma nova representante da Dinastia Caymmi, sua neta Alice, filha de Danilo, cantora que arrebatou a crítica com suas interpretações e potência vocal, que demonstra que a influência dessa família na música brasileira está muito longe do fim.
Homenagens
Dorival Caymmi recebeu inúmeras homenagens ao longo da vida, em consonância com a grandeza de suas canções e a importância de sua figura. A primeira delas ocorreu em 1953, quando seu nome passou a ser também o da praça principal da praia de Itapuã, local que inspirou a série de canções praieiras e homenageado em Saudade de Itapoã.
Mais de 30 anos depois, no ano de 1984, a FUNARTE lançou o LP Setenta anos, em homenagem ao septuagenário Caymmi. O disco foi dividido em sete blocos, representando temáticas constantes em sua obra: Postais da Bahia, Das mulheres, Cenas da Bahia: Praias de festas, Histórias e lendas de pescadores, O amor pelo mar, Canções de amor e Caymmi pede a benção.
No ano seguinte foi inaugurada a Avenida Dorival Caymmi em Salvador.
Já em 1986, a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira apresentou o enredo Caymmi mostra ao Mundo o que a Bahia e a Mangueira tem, o qual conquistou o título do carnaval carioca daquele ano.
Já nos anos 2000, uma rua do bairro do Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, é batizada com seu nome. No mesmo ano de sua morte uma estátua de bronze, inspirada na famosa foto de Evandro Teixeira (na qual aparece munido de seu violão e acenando para um conhecido), é colocada perto de uma colônia de pescadores na praia de Copacabana.
Em 2009, pouco antes de se completar um ano de sua morte foi realizada a exposição Caymmi acervo digital na Casa do Acervo no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, Rio de Janeiro, composta de uma pequena amostra do acervo de obras e itens pessoais do compositor e cantor baiano.
Em 2014, ocorreram várias celebrações em homenagem ao centenário de seu nascimento: Audiência Pública no Congresso Nacional, promovida pela Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados e da qual foram oradores convidados Danilo Caymmi, João Jorge Amado (filho de Jorge Amado) e Ricardo Cravo Albin. Também foi homenageado pelos filhos em show especial. Ainda em 2014, foi lançado do CD Dorival Caymmi centenário, que contou com arranjos sinfônicos de Dori Caymmi e Mário Adnet, tendo participação de Nana Caymmi nas faixas Sargaço mar e Lagoa do Abaeté, Caetano Veloso no samba-canção Sábado em Copacabana, Danilo Caymmi, em Vatapá, Dori Caymmi, no samba-canção Nem eu, Chico Buarque, em Dora, e Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil no samba O que é que a baiana tem?. Em 2015, encerrando as comemorações do centenário de seu nascimento, foi realizada no Teatro Castro Alves, em Salvador, a premiação do Prêmio Caymmi de Música.
Fontes:
https://goo.gl/VP2jr7
http://www.dorivalcaymmi.com.br/
http://goo.gl/byRzJu
http://goo.gl/c6eJ11
http://goo.gl/ILWJCe